Onze anos e meia dúzia de dias chegaram até mim numa pasta comprimida que não excedia os 655MB. Uma década reduzida à capacidade dos primeiros leitores digitais de MP3 e das limitadas músicas que lá guardava. Suponho que devia agradecer ao meu lado mais reservado por arquivar - primeiro inconscientemente, depois por precaução - os dias bons, os pensamentos aleatórios e os momentos com amigos num sistema de memória orgânico pronto a desiludir-me à passagem dos anos.
Quando abri as várias pastas de fotografias, mensagens, publicações e comentários que resumem a minha presença no Facebook desde o ano 2009, não pude deixar de me sentir ligeiramente desiludida. Tudo aquilo soou a pouco - muita informação agrupada em likes e seguidores, poucas referências ao carroussel de ideias, sentimentos e pessoas que me moldaram desde os dezanove anos.
A razão porque o meu legado no Facebook parece ter um rasto tão curto, vem do meu bom/mau hábito de manter o meu histórico digital o mais limpo possível. No momento de apagar a conta, havia apenas duas imagens no álbum relativo às fotografias de perfil. As outras caras foram sendo substituidas por versões que se assemelhavam mais ao eu que queria mostrar. A cada novo rosto, o anterior era substituido - como uma actualização de sistema ou uma prova de evolução.
Ao deparar-me com a ausência de passado, comecei a questionar se os meus hábitos digitais de limpeza não estariam a apagar as pequenas ligações que estimulam a memória. Depois de todas as conversas sobre direito ao esquecimento, sobre o que é efémero ou sobre as imagens que a Internet guarda para sempre, no dia em que desactivei a minha conta de Facebook, só pensava numa coisa: naquilo que não estava lá.
💾 Nostalgia
"Today's Web is essentially a prototype - a proof of concept. This concept of interactive content universally accessible through a standard interface has proved so successful that a new industry is set on transforming it, capitalizing on all its powerful possibilities." - Darcy DiNucci
A UX designer Darcy DiNucci escreveu em 1999 um artigo com o nome “Fragmented Future”. Na sua profecia de futuro, os ecrãs estáticos do início da Internet dariam lugar a mecanismos de transporte - repletos de interatividade, em que os websites deixariam de ser como casas que visitamos, e passariam a ser portais - onde todos estaríamos interligados. Em 1999, o futuro não estava muito longe do nosso presente.
💻 Tempo presente
"Identity, according to Cavarero, is not something that we innately possess and reveal, but something we understand through narratives provided to us by others.” - Jia Tolentino
Depois de passar algum tempo a perceber como podia organizar melhor os meus pensamentos sobre aquilo que lia, o meu segundo cérebro está oficialmente instalado no Notion. O livro “How to Take Smart Notes” do Sonke Ahrens e os vídeos do Mukul Khanna ajudaram-me a definir uma metodologia que me permite desenvolver ideias em torno de um tema. Uma tópico que me tem interessado muito é o da autenticidade nas redes sociais. Aqui estão três das minhas referências sobre o tema:
Livro | Trick Mirror, Jia Tolentino
Newsletter | Maybe Baby #20, Haley Nahman
Revista | Vestoj #8, On Authenticity
🔍 Ventos futuros
“My favorite new social network doesn’t incessantly spam me with notifications. When I post, I’m not bombarded with mentions from bots and trolls. And after I use it, I don’t worry about ads following me around the web. That’s because my new social network is an email newsletter" - George Lamming
Como seriam as newsletters se pudéssemos sublinhar as nossas partes preferidas ou escrever comentários associados a uma frase, como fazemos no Google Docs? Este tweet da Patricia Mou deixou-me a pensar (ainda mais) no futuro das newsletters como uma plataforma para comunidades. Quão interessante seria se a caixa de comentários que está no fim desta newsletter tivesse ligações com os comentários das newsletters anteriores, desenvolvendo-se uma conversa dinâmica transversal a temas e semanas? É com estes pensamentos que celebro as dez edições da Internet num Telegrama. Na Nevoazul vamos aproveitar este pequeno aniversário para imaginar as próximas dez edições desta newsletter. Queres juntar-te à conversa? É só responderes a este email ou deixares os teus pensamentos na (ainda estática) caixa de comentários.
E a pergunta do dia é:
🤔 “As tuas redes sociais são uma coleção de memórias ou apenas o reflexo do presente?”
Fico à espera da tua resposta nos comentários! Vamos fazer desta newsletter um espaço de partilha, onde podemos trocar ideias, sugestões e recomendações.
Até já!
Inês 🌿
🙂 Hoje vamos falar sobre: As memórias que guardamos online
Junta-te à discussão e partilha connosco links, pensamentos, podcasts ou artigos que aches relevante sobre este tema. Queremos que esta simples caixa de comentários se transforme numa comunidade de pessoas curiosas sobre a forma como comunicamos. Também queremos ficar a conhecer quem está desse lado do ecrã :)